- CUIABÁ
- TERÇA-FEIRA, 16 , DEZEMBRO 2025


Era agosto de 2004. O Caribe recebia os ídolos da seleção de ouro do pentacampeonato mundial de futebol, sob o sol radiante do belo céu de Ayiti (nome usado pelos taínos, povo indígena que habitava a ilha antes da chegada dos colonizadores europeus). Aquele dia do oitavo mês jamais se apagaria da memória coletiva de um povo apaixonado pela cultura brasileira.
A capital, Porto Príncipe, sede do estádio que receberia aquele emblemático “Jogo da Paz”, estava em alvoroço diante da presença ilustre de alguns dos maiores nomes do futebol brasileiro: Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Cafu e Roberto Carlos. O contingente do Exército Brasileiro, enviado no âmbito da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), fazia a escolta dos atletas enquanto eles desfilavam pelas principais ruas da região central. Era um dia histórico, que selaria de forma definitiva a aliança afetiva da torcida haitiana com a seleção canarinho.
Naquele inesquecível dia, a seleção do Haiti sofreu seis gols do Brasil e, a cada bola na rede, o estádio — lotado como nunca antes — vibrava de forma fervorosa. A seleção do penta levou alegria a um cenário marcado por conflitos e instabilidade, revelando a fragilidade político-social de uma nação profundamente afetada pelo imperialismo estadunidense.
Naquela ocasião, o Haiti contava com uma seleção quase amadora, formada por atletas que não integravam o alto rendimento do futebol internacional. O jogo era apenas um amistoso, um encontro fraterno entre duas nações parceiras. Para aqueles jogadores haitianos, tratava-se de um momento único: estavam em campo com seus ídolos. Sofrer um gol do Fenômeno? Ser driblado pelo talento de Ronaldinho Gaúcho? Que honra indescritível!
Passaram-se pouco mais de vinte anos. A seleção grenadye (como é popularmente chamada) surge agora mais robusta e madura, composta por jogadores profissionais formados e lapidados no futebol europeu, pronta para levar ao coração do povo haitiano uma nova esperança.
Cair no mesmo grupo do Brasil em uma Copa do Mundo? Reviver toda aquela emoção? Isso representaria o resgate de uma identidade adormecida e o renascimento da esperança de um Ayiti utópico, que resiste entre ruínas sociais e o apagamento estrutural de uma história bela e poderosa de resistência e revolução do povo negro nas Américas. Grenadye Alaso! (Soldados, ataquem!).
Rafael Lira, professor