segunda-feira, 21 - abril 2025 - 10:25

Papa Francisco: uma década de reformas, compaixão e enfrentamento das crises do mundo e da Igreja


Reprodução
Reprodução

Pontificado de Jorge Mario Bergoglio marca nova era na Igreja Católica com foco nos pobres, no meio ambiente e na justiça social

Desde sua eleição em 13 de março de 2013, o Papa Francisco tem conduzido uma profunda transformação no Vaticano e no papel da Igreja Católica no cenário global. Primeiro pontífice vindo da América Latina e o primeiro jesuíta a ocupar o cargo, Jorge Mario Bergoglio adotou o nome Francisco em referência ao santo de Assis, símbolo de humildade, pobreza e cuidado com a criação. A escolha sinalizou desde o início o tipo de liderança que se propunha a exercer: simples, voltada aos excluídos e sensível às dores do mundo.


Mudança de rumos após escândalos e crise interna

Francisco foi eleito em um contexto conturbado, após a renúncia de Bento XVI e uma série de escândalos, como o Vatileaks, que revelaram corrupção, desvio de verbas e disputas internas na Cúria Romana. A escolha de um papa fora da Europa foi interpretada como um sinal de renovação e de busca por novos caminhos para uma instituição em crise.

Logo em seus primeiros atos, o novo papa recusou o luxuoso Palácio Apostólico e passou a viver na Casa Santa Marta. Também lavou os pés de jovens detentos e fez sua primeira visita simbólica à ilha de Lampedusa, onde homenageou imigrantes mortos na travessia pelo Mediterrâneo — gestos que reforçaram o tom pastoral e de misericórdia que guiaria seu pontificado.


Uma Igreja voltada aos marginalizados

O Papa Francisco defende uma Igreja “em saída”, próxima dos pobres e comprometida com as causas sociais. Seu discurso é fortemente influenciado pelas correntes teológicas da América Latina, como a Teologia da Libertação e a Teologia do Povo, que colocam a justiça social no centro da fé cristã.

A misericórdia, adotada como lema do pontificado, orientou sua abordagem a temas sensíveis como divórcio, aborto, casamento civil e homossexualidade. Em 2013, ao ser questionado sobre homossexuais, respondeu: “Quem sou eu para julgar?”. Ainda que mudanças formais nas doutrinas não tenham sido implementadas, o papa trouxe um novo tom de acolhimento, empatia e abertura ao diálogo.


Reformas internas e combate aos abusos

No âmbito interno, Francisco iniciou uma série de reformas administrativas, econômicas e estruturais no Vaticano. Substituiu figuras envolvidas em escândalos, como o então secretário de Estado, Tarcisio Bertone, acusado de utilizar dinheiro da caridade para reformar um apartamento de luxo.

Criou ainda um conselho de cardeais e uma comissão para revisar a administração econômica da Santa Sé, incluindo o Banco do Vaticano. Também estabeleceu a Comissão para a Proteção de Menores, formada por especialistas e sobreviventes de abusos, com o objetivo de criar políticas efetivas de prevenção.

Em 2024, voltou a tratar do tema dos abusos com contundência: “Esta é a vergonha que todos temos que assumir agora, pedir perdão e resolver o problema”, disse. As ações fizeram parte de um esforço contínuo para restaurar a credibilidade da Igreja diante de um dos seus maiores desafios contemporâneos.


Nomeações descentralizadas e pluralidade no Colégio Cardinalício

Uma das marcas de sua gestão foi a descentralização nas nomeações para o Colégio de Cardeais. Em sua primeira lista, apenas 4 dos 16 novos cardeais atuavam na Cúria Romana. Os demais eram líderes de dioceses espalhadas pelo mundo. A iniciativa promoveu diversidade geográfica e cultural entre os eleitores do próximo papa.

“Hoje temos um quadro de cardeais muito plural. O conclave que elegerá seu sucessor será diferente”, afirma João Décio Passos, doutor em Ciências Sociais e autor do livro A Igreja em Saída e a Casa Comum.


Defensor da paz e crítico do autoritarismo

No cenário global, o papa se posicionou de forma firme diante de conflitos, desigualdades e crises humanitárias. Defensor dos direitos humanos, condenou a política migratória dos EUA e chegou a afirmar que o então presidente Donald Trump “não era cristão” ao promover políticas anti-imigratórias. Recentemente, chamou de “vergonha” os planos norte-americanos para deportar milhões de migrantes.

Francisco também atuou em favor da paz em regiões em guerra, como Ucrânia, Síria, Israel e Gaza. Visitou países em conflito, como Sudão do Sul e República Democrática do Congo, e chegou a mediar a libertação de presos políticos em Cuba.


Crise ambiental: uma só crise socioambiental

A preservação ambiental tornou-se uma das bandeiras centrais do pontificado. A encíclica Laudato Si’, publicada em 2015, é considerada o maior legado ambiental de Francisco. Nela, o papa critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável, apontando que a crise ecológica e a desigualdade social são faces da mesma realidade.

“O Papa entende que não existem duas crises separadas: uma ambiental e outra social. Há uma única e complexa crise socioambiental”, explica o teólogo Paulo Fernando Carneiro de Andrade.


Pandemia, ciência e solidariedade global

Durante a pandemia de Covid-19, Francisco reforçou a importância da ciência, da vacinação universal e da solidariedade global. Lamentou a falta de oxigênio em Manaus e criticou o negacionismo de autoridades. Enxergou na crise sanitária uma oportunidade para repensar a economia mundial e as relações de poder.


Uma década que moldou uma nova face da Igreja

Após mais de dez anos de pontificado, Francisco é reconhecido como um líder que resgatou a dimensão pastoral da Igreja, aproximando-a dos marginalizados e reposicionando-a como defensora da justiça, da paz e do meio ambiente. Suas reformas internas, embora enfrentem resistências, abriram caminhos para uma nova dinâmica no Vaticano e marcaram um dos pontificados mais transformadores da história recente da Igreja Católica.

+