quinta-feira, 15 - maio 2025 - 09:45

Influencer de luxo é cadastrada como beneficiária da reforma agrária em Mato Grosso


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Michele Zavodini, influencer conhecida por ostentar uma rotina de festas, viagens e artigos de luxo nas redes sociais, aparece oficialmente desde 27 de dezembro de 2024 como beneficiária do Programa Nacional de Reforma Agrária. O nome da pedagoga, que viveu no Paraná até 2018 e atualmente mora no Mato Grosso, está vinculado ao Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, no norte do estado.

A inclusão de Michele no cadastro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi denunciada à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF) pela Assoplan (Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Planalto), que representa cerca de 70 famílias acampadas há mais de uma década à espera de um lote de terra.

Segundo a denúncia, Michelle não se enquadra nos critérios socioeconômicos exigidos por lei para receber terras da reforma agrária. A Assoplan destaca que a vida de luxo exibida por ela nas redes sociais, além de sua proximidade com grandes produtores de soja da região, é incompatível com o perfil de pequenos produtores rurais que deveriam ser atendidos pelo programa.

Além de Michele, também aparecem como beneficiários do assentamento um fazendeiro já processado pelo Incra e uma servidora da Defensoria Pública de Mato Grosso, ambos cadastrados na mesma data, em dezembro de 2024. Pela legislação, funcionários públicos, empresários e pessoas com renda familiar superior a três salários mínimos oriundos de atividades não agrárias não podem ser contemplados com lotes.

Procurado pela Repórter Brasil, o Incra informou que os cadastros de Michele e do fazendeiro estão atualmente bloqueados e podem ser cancelados. Já o cadastro da servidora permanece ativo. A autarquia afirma que nenhum dos três recebeu benefícios ou contratos de uso da terra, mas seus nomes seguem vinculados aos lotes, impedindo que outras famílias sejam contempladas.

A reportagem também teve acesso a documentos do MPF e da Polícia Federal que revelam um histórico de irregularidades no assentamento Tapurah/Itanhangá. Criado em 1995 para beneficiar mais de mil famílias em uma área de 115 mil hectares, o projeto acabou sendo dominado por produtores de soja. Mais de mil lotes teriam sido transferidos para cerca de 80 grupos familiares e fazendeiros, muitas vezes por meio de ameaças, contratos irregulares e uso de laranjas.

Famílias sem-terra seguem à espera de regularização. No acampamento Nova Aliança, dezenas de pessoas vivem em barracos de lona enquanto aguardam a efetivação da posse de lotes sorteados judicialmente. O clima na região é de tensão, com relatos de ameaças, tiros e hostilidade por parte de sojeiros.

A situação escancara o desvirtuamento do propósito da reforma agrária na região. Enquanto lotes públicos são explorados por grandes produtores com maquinário de ponta e contratos com exportadoras, trabalhadores rurais seguem marginalizados, sem acesso à terra.

O Incra afirma que apura as irregularidades e que pode excluir os nomes questionados. A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso também prometeu investigar a participação da servidora envolvida. No Congresso, o tema foi levado à Comissão de Agricultura, onde o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, afirmou que o Incra está “cuidando corretamente” do caso.

Segundo o MPF, as terras da região são altamente cobiçadas. Um lote de 100 hectares pode valer até R$ 3 milhões. O órgão alerta para o uso sistemático da força e de práticas ilegais para concentrar essas áreas nas mãos de poucos, em detrimento da função social da terra prevista na Constituição.

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