- CUIABÁ
- DOMINGO, 7 , DEZEMBRO 2025


Após mais de 20 anos de disputas judiciais e fundiárias, o Parque Estadual Cristalino II, no norte de Mato Grosso, ganhou um novo capítulo com a formalização de um acordo judicial que redefine seus limites e amplia a área de proteção ambiental. O entendimento, articulado pelo Ministério Público do Estado (MPMT) e firmado com o Governo de Mato Grosso, Assembleia Legislativa (ALMT), Sema, Intermat e representantes do setor privado, garante a preservação de um dos mais importantes refúgios da Amazônia mato-grossense.
Com o acordo, o parque passará a contar com 119.451 hectares de florestas nativas sob proteção integral — cerca de 1,4 mil hectares a mais do que na criação da unidade em 2001. Estudos técnicos poderão aumentar a área para até 123 mil hectares. Também será criada uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com mais de 12 mil hectares, fortalecendo corredores ecológicos e assegurando proteção perpétua à vegetação nativa.
A medida representa o desfecho mais recente de uma longa controvérsia. Antes da conciliação, o Parque Cristalino II esteve no centro de um impasse jurídico que colocou em risco sua existência. A empresa Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda. ingressou com ação contestando o decreto estadual que instituiu o parque, alegando ausência de estudos técnicos e consulta pública. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso chegou a anular o decreto, apontando falhas no processo de criação da unidade de conservação.
Diante da possibilidade de extinção do parque, o Ministério Público Federal (MPF) pediu que a ação fosse remetida à Justiça Federal, afirmando que as terras pertencem à União e que a área integra o Bioma Amazônico. Procuradores alertaram para o risco de danos ambientais irreversíveis, lembrando que o parque faz parte do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), o maior programa federal de conservação da biodiversidade.
A solução articulada pelo MPMT, porém, reverte o risco ambiental e promove um acordo considerado histórico por envolver órgãos públicos, empresas e comunidades. As companhias Triângulo Ltda. e AJJ Ltda. assumiram compromissos como não realizar novos desmates, reduzir atividades agropecuárias e financiar a construção da sede administrativa do parque. A AJJ ainda pagará R$ 45 milhões ao Estado, em nove parcelas anuais, para apoiar ações de preservação.
O acordo prevê ainda estudos ambientais e socioeconômicos, além da elaboração de um projeto de lei a ser votado pela Assembleia Legislativa, com participação popular por meio de audiências públicas.
Para o procurador-geral de Justiça, Rodrigo Fonseca Costa, a solução “concilia produção sustentável, proteção ambiental e regularização fundiária, sem abrir mão da defesa do patrimônio natural”. O promotor de Justiça Marcelo Vacchiano destaca que o parque, agora “renovado juridicamente e reforçado ambientalmente”, poderá avançar em gestão eficaz e monitoramento.
As comunidades locais também veem o acordo como um marco. Segundo o vereador Amado Santos Oliveira, presidente da Associação de Desenvolvimento Sustentável da Gleba Divisa, mais de 1.200 famílias passaram décadas aguardando uma solução definitiva. “Pela primeira vez, o Parque Cristalino poderá receber investimentos, estudos e gestão adequada, trazendo segurança e benefícios reais para quem vive na região”, afirmou.
Criado em 2001, o Parque Cristalino II é reconhecido como uma das áreas mais ricas em biodiversidade da Amazônia brasileira, com florestas primárias, corredeiras, sítios arqueológicos e espécies ameaçadas. Com o acordo judicial, o Estado avança na regularização territorial, amplia a proteção ambiental e encerra um dos mais prolongados conflitos fundiários da região.