- CUIABÁ
- SEXTA-FEIRA, 27 , JUNHO 2025
O major-general português Agostinho Costa, especialista em segurança e geopolítica, afirmou que o recente ataque de Israel ao Irã, com apoio dos Estados Unidos, teve como base um relatório produzido com auxílio de inteligência artificial (IA), que apontava que o país persa estaria próximo de desenvolver uma bomba atômica.
“Essa é a primeira guerra que podemos afirmar ter sido iniciada com base em inteligência artificial”, disse Costa em entrevista exclusiva à Agência Brasil. O general se refere ao uso do programa Mosaic, contratado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), vinculado às Nações Unidas, que utiliza grandes volumes de dados para prever comportamentos e riscos.
“Essa IA concluiu que havia condições para o Irã produzir uma arma nuclear. O relatório da AIEA de 31 de maio [de 2025] não apresentou evidências diretas, mas sim deduções e tendências. Esse documento foi tratado como prova pelo Conselho de Governadores da agência e serviu de justificativa para o ataque israelense”, completou Costa.
Relatório sem provas concretas
No dia 6 de junho, o Conselho de Governadores da AIEA aprovou um relatório afirmando, pela primeira vez em duas décadas, que o Irã não estaria cumprindo suas obrigações de inspeção nuclear. Menos de uma semana depois, Israel lançou um ataque a Teerã.
Apesar de afirmar que não possui provas de que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares, a agência vinha alertando sobre o potencial de risco. O Irã, por sua vez, acusa a AIEA de agir com viés político e, após o cessar-fogo de um conflito que durou 12 dias, suspendeu oficialmente a cooperação com a agência.
Mosaic: inteligência artificial no centro da polêmica
O Mosaic, desenvolvido pela empresa norte-americana Palantir — do bilionário Peter Thiel, conhecido por seu apoio ao ex-presidente Donald Trump — foi contratado em 2015 por € 41 milhões. A AIEA alegou que o sistema era necessário para ampliar sua capacidade de monitoramento global, sem aumento proporcional de receitas.
O software foi originalmente criado durante a guerra no Afeganistão e tem sido amplamente utilizado por forças policiais e de segurança no mundo. Segundo o general Costa, o uso da tecnologia nesse caso foi “um abuso”, e ele alertou para os riscos do uso indiscriminado da IA:
“O relatório foi tratado como definitivo, mesmo sem provas. Isso é parte dos perigos do novo mundo digital e da inteligência artificial”.
Influência política e geopolítica
Segundo Costa, o Conselho de Governadores da AIEA é composto majoritariamente por países ocidentais — como Alemanha, França, Reino Unido e EUA — que aprovaram o relatório com base no Mosaic. O general também menciona estudos do pesquisador Douglas C. Youvan e do diplomata britânico Alastair Crooke, que denunciam o uso da IA como ferramenta política no caso iraniano.
Além disso, Peter Thiel, fundador da Palantir, é citado como financiador da campanha de JD Vance — atual vice-presidente dos EUA — ao Senado, o que, segundo analistas, pode indicar um entrelaçamento entre interesses privados, políticos e militares.
Nuclear: pacífico ou militar?
Agostinho Costa sustenta que o programa nuclear iraniano é, majoritariamente, civil e pacífico. Ele reconhece que o país tem cerca de 400 quilos de urânio enriquecido a 60%, mas lembra que seria necessário atingir 90% para fins militares.
“Após sabotagens israelenses com vírus nas centrífugas da usina de Natanz, o Irã respondeu elevando o nível de enriquecimento. Mas 60% ainda está longe do patamar necessário para produzir armas nucleares.”
O Irã também nega, de forma reiterada, qualquer intenção de desenvolver bombas atômicas. Quando foi atacado, o país estava envolvido na sexta rodada de negociações com os EUA sobre seu programa nuclear, realizada em Omã.
Dissonância entre inteligência e política
Em março deste ano, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard, afirmou ao Senado que o Irã não estava fabricando armas nucleares. A declaração foi posteriormente questionada pelo próprio presidente norte-americano, o que reforça a percepção de divergências internas sobre a real ameaça representada pelo Irã.
Dois pesos e duas medidas?
Enquanto os EUA e seus aliados defendem os ataques como medida preventiva, o Estado de Israel — que liderou a ofensiva — é o único país do Oriente Médio que não assinou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Israel tampouco confirma ou nega a posse de ogivas atômicas, embora seja amplamente reconhecido por especialistas que o país detém arsenal nuclear.