- CUIABÁ
- SEGUNDA-FEIRA, 5 , MAIO 2025
A Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência – LREF), especialmente após a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020, passou a reconhecer expressamente a legitimidade do produtor rural pessoa física para requerer recuperação judicial. A exigência central, conforme o art. 48 da LREF, é o exercício regular da atividade por mais de dois anos, independentemente da natureza jurídica do devedor.
Essa mudança trouxe maior segurança jurídica aos produtores rurais, permitindo que, mesmo na ausência de registro prévio na Junta Comercial, fosse possível requerer a recuperação judicial, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural. Tal entendimento foi consolidado pelo STJ no Tema Repetitivo 1.145, ao firmar que o registro tem natureza meramente declaratória, e não constitutiva.
Contudo, surge uma importante discussão no campo prático e teórico: pode o espólio de um produtor rural falecido pleitear recuperação judicial? A resposta, embora não expressa de forma detalhada na legislação, tem sido afirmativa na doutrina e jurisprudência, à luz dos princípios da preservação da empresa e da função social da atividade econômica.
Com o falecimento do empresário individual, a atividade empresarial pode ser mantida pelo espólio, representado pelo inventariante, conforme os artigos 980-A e 1.028 do Código Civil. O próprio art. 48, §1º da LREF, reconhece a possibilidade de continuação do procedimento recuperacional por sucessores, o que inclui o espólio. A jurisprudência, como a da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, tem reafirmado essa possibilidade.
Apesar disso, na prática, surgem obstáculos burocráticos, como a dificuldade de registrar o espólio na Junta Comercial — muitas vezes inviável após o falecimento do titular, principalmente se o CPF estiver inativo. Em tais casos, o Judiciário pode e deve relativizar exigências formais, à luz do art. 47 da LREF, que privilegia a preservação da empresa viável e dos empregos.
Diante disso, o espólio pode e deve ser legitimado a ingressar com pedido de recuperação judicial, desde que comprove a continuidade da atividade rural por meio de documentos como notas fiscais, movimentações bancárias, Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) e declarações de imposto de renda do falecido.
Doutrinadores como Cássio Cavalli e Manoel Justino Bezerra Filho reforçam que o exercício da empresa não depende do registro, mas sim da prática profissional e organizada da atividade econômica. Assim, mesmo sem registro prévio, o espólio pode obter autorização judicial para regularização formal posterior, inclusive com inscrição retroativa na Junta Comercial.
Em suma, o formalismo não pode se sobrepor à realidade econômica. Se o objetivo da recuperação judicial é a preservação da atividade produtiva e a superação da crise financeira, é plenamente legítimo que o espólio de produtor rural, representado por inventariante, possa buscar esse instrumento legal, mesmo diante de lacunas ou entraves administrativos.
*Paloma Orrigo Ribeiro Leite é advogada